Com o avanço acelerado no desenvolvimento de aeronaves elétricas de decolagem e pouso vertical (eVTOL), muitas delas já em estágios avançados de certificação, torna-se imprescindível a criação de infraestrutura terrestre específica – os vertiportos – para viabilizar operações comerciais seguras e eficientes. Diversas autoridades aeronáuticas, como a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), EASA (European Union Aviation Safety Agency) e FAA (Federal Aviation Administration), atuam no sentido de estabelecer normas técnicas que suportem essa nova realidade operacional.
No Brasil, a ANAC deu um passo importante ao admitir as empresas VertiMob Infrastructure e PAX Aeroportos no seu Sandbox regulatório. Durante 24 meses, essas empresas testarão e validarão soluções operacionais para eVTOLs nos aeroportos de São José dos Campos (SP) e Campo de Marte (SP), respectivamente.
Os projetos devem considerar os aspectos fundamentais no desenvolvimento dos vertiportos, que poderão ser estudados durante o ambiente do Sandbox:
- Leiaute e dimensões da área de pouso e decolagem: o vertiporto deve incluir, minimamente, uma Touchdown and Lift-Off Area (TLOF), uma Final Approach and Takeoff Area (FATO) e uma Safety Area. Segundo o Engineering Brief EB-105 Rev A publicado pela FAA, para veículos com Peso Máximo de Decolagem até 12.500 lb (5.670 kg), a FATO deve ter dimensão mínima de 2RD, enquanto a TLOF deve ser de 1RD, sendo “RD” a maior distância entre as pontas dos rotores da aeronave, no plano horizontal.
- Trajetórias de aproximação e saída: devem garantir corredores livres de obstáculos com inclinação mínima de 8:1 (ângulo de 7,1°) em condições de voo visual (VFR), conforme indicado pela FAA no EB-105 Rev A. O sistema de aproximação deve considerar requisitos visuais (PAPI, iluminação periférica) e obstáculos naturais ou construídos.
- Capacidade estrutural: as superfícies de TLOF devem ser capazes de suportar a carga estática e dinâmica do pouso das aeronaves. Devem ser projetadas considerando coeficientes de segurança e carga por roda, conforme materiais usados (concreto, asfalto, aço).
- Sistema de combate a incêndios (ARFF): os vertiportos devem prever acesso rápido para veículos de resposta a emergências, além de compatibilidade com os agentes extintores recomendados para sistemas de armazenamento de energia. O EB-105 Rev A recomenda, nesse sentido, a norma NFPA 418 (Standard for Heliports and Vertiports) para proteção contra incêndio adequada a helipontos e vertiportos.
- Infraestrutura de manutenção e apoio: áreas específicas para operações em solo, carregamento de baterias, troca de módulos e serviços de inspeção devem ser previstas, com acesso controlado e segregação operacional.
- Requisitos acústicos e ambientais: a emissão de ruído será um fator crítico para a operação urbana dos eVTOLs. Autoridades aeronáuticas recomendam que estudos acústicos locais sejam conduzidos para mitigar o impacto sonoro (abatimento de ruído), especialmente em áreas densamente povoadas.
- Segurança operacional e controle de acesso: a área operacional deve ser cercada e monitorada, com pontos de controle de acesso compatíveis com os níveis de segurança exigidos para operações com passageiros.
A participação das empresas no Sandbox permitirá à ANAC consolidar dados técnicos e operacionais, essenciais para elaborar uma regulação robusta e adaptada à Mobilidade Aérea Avançada (AAM). Atualmente, o RBAC nº 155 não contempla as peculiaridades das operações com eVTOLs, o que motivou a ANAC a emitir o Alerta aos Operadores de Aeródromos nº 001/2023, orientando, inicialmente, o uso de critérios equivalentes aos de helipontos.
A opção da ANAC por um modelo colaborativo, envolvendo a indústria na construção das normas, posiciona o Brasil de forma estratégica no cenário internacional. Essa abordagem está em consonância com os esforços da OACI, por meio do Vertical Flight Infrastructure Working Group (VFIWG), que elabora um documento base com propostas para futura incorporação ao Anexo 14 da Convenção de Chicago.
Paralelamente, a EASA e a FAA já publicaram guias técnicos para vertiportos. A EASA, em 2022, lançou o Prototype Technical Specifications for the Design of Vertiports for Operation with Manned VTOL-Capable Aircraft Certified in the Enhanced Category, que adota parâmetros do Anexo 14, Volume II da OACI. Já a FAA, com o Engineering Brief EB-105 Rev A, traz um guia prático de recomendações para o projeto da infraestrutura e aspectos associados à operação nos vertiportos.
As divergências atuais entre documentos publicados pelas principais Autoridades Aeronáuticas mundiais, especialmente ANAC, FAA e EASA, refletem um campo em pleno desenvolvimento, relativo à concepção e requisitos esperados para os Vertiportos. No entanto, espera-se uma harmonização global gradual, à medida que as operações com eVTOLs evoluam e a experiência com este novo modal ganhe escala.
A segurança, conforme enfatizado em todas essas iniciativas, é o princípio norteador das Autoridades Aeronáuticas: todos os elementos do vertiporto devem ser projetados com foco na mitigação de riscos operacionais, estruturais e ambientais.
Assim, embora a tecnologia de Mobilidade Aérea Urbana avance rapidamente, é responsabilidade das autoridades garantir que a infraestrutura terrestre evolua com o mesmo rigor técnico que caracteriza a aviação tripulada tradicional. Somente dessa maneira, poderemos assegurar que os eVTOLs estejam inseridos em um ecossistema seguro para operações comerciais escaláveis.